• TRES MESES ANTES • Autor
• TRES MESES ANTES
• Autor: Tadeu G.
Memória
o Apesar do sincero arrependimento, do pedido de perdão, ficou a lembrança de sua amiga Lucila, ali com seu marido, no seu leito conjugal.
Dimas, o marido, também se mostrou arrependido e pediu-lhe perdão.
o ¨ Setenta vezes sete¨, ficava tentando fazer essa conta, sem entender a parábola; sem compreender que cristo com aquilo queria dizer: perdoai infinitas vezes.
Mas como, se uma única vez já parecia impossível? Na verdade dissera que perdoara, mas aquela cena não saia da sua mente: lucila sobre Dimas, subindo e descendo, ali no seu leito conjugal…
o Ali, da janela do vigésimo andar, de frente para o mar, ficava olhando a ilha, ali adiante da praia do Leblon, parecia uma aquarela, aquela vista.
Se fosse uma ave, voaria para a ilha, porque, talvez só a ilha lhe compreendesse por parecer tão só como si mesma.
Lá embaixo, os carros, as pessoas, tudo parecia tão pequeno, parecia um mundo de brinquedo… seríamos isso para Deus? Com quantos perdões se faz uma vida? Olhava os casais lá embaixo, imaginando quantos dramas.
• Olhou novamente a foto do seu casamento, fazia isto toda vez que estava insegura; vestido branco, véu e grinalda, quinze anos, feliz e apaixonada; evitara filhos, foi uma decisão mútua, mas agora, talvez estivesse melhor com alguém para dividir aqueles momentos: talvez este alguém desse mais sustentabilidade ao seu casamento.
Reparou novamente nos aposentos como se buscasse quaisquer resquícios daquele sentimento; olhou o liquidificador, o ventilador, a cama; era a testemunha de que ela se entregara totalmente… no guarda-roupas, sua saia jeans dizendo sim pra calça dele… bonés, cuecas, calcinhas e sutiãs naquele afã de cumplicidade… resto de café no copo e migalhas de pão por sobre a mesa.
Beijou seu retrato de casamento de maneira que ficasse ali a marca dos seus lábios, escreveu algo no espelho: “três meses antes…¨
• Esforçara-se para que tudo voltasse a ser como era antes.
Festas, reuniões nos finais de semana entre os três, para que não ficasse nenhum constrangimento.
Mas : ¨nada do que foi será do jeito que já foi um dia…¨ ficava sempre um pé atrás, uma desconfiançazinha, por mínima que fosse.
Voltou novamente à janela, à aquarela que era sua vida; se fosse uma gaivota e não se sentisse tão idiota… se fosse um condor e acreditasse no amor, planaria sobre o Himalaia.
Tomou uma decisão, despiu-se totalmente, soltou os cabelos longos e dourados, subiu na janela, cantarolou novamente a música do Lulu: ¨tudo passa, tudo sempre passará…¨ subitamente formou-se lá embaixo uma multidão, já se ouvia a sirene do carro de bombeiros… três meses antes sentia-se tão feliz, e, Lucila era o grande motivo da sua felicidade.
À ela se entregara três meses antes… até conseguia perdoar Dimas.
Mas Lucila, era uma mágoa muito mais profunda.
• Dimas ainda entrou no apartamento, mas não teve tempo de segura-la.
Ela voou como uma gaivota pra ilha… ela planou como um condor sobre o Himalaia… e como um beija-flor, ali no jardim do condomínio, ela viu a multidão ao redor do seu corpo caído, sobre uma poça de sangue, sem entender tanto estardalhaço, e, como uma ave, subiu para o infinito…
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