CER TE ZA (crônica)
CER TE ZA (crônica)
Tem anfetamina nos armários.
Há pó branco na geladeira.
No canto.
Há.
Há fumaças entrando pela janela da sala.
Pela janela da sala.
Há fumaças.
Não consigo identificar.
Não há o que identificar.
Há pó branco.
Nos armários.
Está tudo misturado neste pequeno apartamento.
Só o apartamento que é pequeno.
Não me pergunte o motivo.
Por ventura, os motivos não são obrigados a ser contados.
Está tudo misturado.
Pó branco.
Anfetamina.
Fumaças.
Meu cigarro está aceso.
Fumaças do cigarro.
Talvez? Talvez.
Trago cinco fumaças.
Uma, duas, três, quatro, cinco.
Poderia ser seis.
A metade do tabaco coube seis fumaças.
Minhas pernas começam a tremer.
Ansiedade.
Talvez? Talvez.
As fumaças estão entrando pela janela da sala.
O apartamento é pequeno.
Grande são os pensamentos que me invadem, enquanto o ponteiro do relógio registra duas da madrugada.
Duas.
Da Madrugada.
Os carros não estão na avenida.
Nem as pessoas.
Há pessoas nas ruas.
Há carros nas casas.
E o ponteiro está no número dois.
O céu estrelado.
Trago mais uma fumaça.
A sétima.
Contei.
O conhaque está no balcão, a preguiça, debaixo do meu sofá e eu, no sofá.
Não lembro quando chamei a solidão para dançar, mas todas as noites ela tira os sapatos e fica bailando no carpete da minha sala.
Baila com passos descompassos.
Não precisa saber dançar para se ser só.
Ser só é uma arte.
Já é uma arte.
A oitava fumaça do cigarro se mistura com as fumaças da janela.
As fumaças da janela são misturas dos cigarros de alguns adolescentes na rua.
Eles também tragam fumaças.
Não contam.
Tragam.
Eles riem.
Mas eles riem.
Eu não.
Apenas fito paredes assentado no sofá sobre a preguiça ciente de que há anfetamina nos armários.
Quadros estão nas paredes.
Manet, réplica.
Van Gogh, réplica.
Vinci, réplica.
Britto, original.
O último está guardado.
Minhas paredes pedem arte.
As paredes pedem tudo.
Toda vez que a solidão baila no carpete, as paredes pedem meu olhar.
Talvez porque não enxergo a dança.
Em um dos quadros está a sua fisionomia.
Fisionomia.
Rosto.
Face.
Cara.
Teus cabelos enrolados.
Encaracolados.
Ondulados.
Modelados.
O sorriso rasgando a fisionomia.
Rosto.
Face.
Os olhos decorando o rímel.
O castanho decorando o glóbulo ocular.
Infiltra-me.
Decora e infiltra-me.
As paredes pedem meus pensamentos, também.
Agora eles estão te focando.
Te focam.
Devoram.
E rasgam.
Rasgam como o sorriso.
O teu sorriso.
Causam um estrago mordaz.
Voraz.
Alcatraz.
A solidão saiu do carpete e tu entrou.
Coreografia seguinte.
Tuas pernas vão bailar no carpete.
Teus dentes ranger felicidades.
Ranger.
Morder.
Ranger.
Meu olhar irá te encontrar.
E não te largar.
Ele nunca larga.
Ele não quer largar.
Ele não irá largar.
Ele não pode largar.
Teus pés pisam o chão.
O chão.
Imaginação.
O chão da minha imaginação.
Inquietação.
Sob o meu corpo há uma inquietação.
Agora.
Sem demora.
Mais uma fumaça do meu cigarro entra no ambiente.
Ambienta o clima belo.
A solidão volta a dançar.
Tu foras embora.
Voltou para o quadro.
Ao lado de Manet.
Pela manhã, o padre falou que as pessoas morrem.
Que todos morrem.
Que a morte é a única certeza da vida.
Que a vida há uma certeza.
Uma certeza.
A morte.
Morte.
Mas ele mentiu.
O padre mentiu.
Men-tiu.
A única certeza da vida não é a morte.
Ontem eu te matei e hoje tu me devoras com o olhar.
Não é certeza.
Alguém deve estar certo, mas eu te matei.
Ma-tei.
A única certeza é que há anfetamina nos armários, pó branco na geladeira e cigarros no meu bolso.
O resto é balela.
O ponteiro marca duas e cinco da madrugada, outra certeza.
Talvez? Talvez.
- João Guilherme Novaes
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