A vida profissional/ 2

A vida profissional/ 2
Têm o mesmo nome, o mesmo sobrenome.
Ocupam a mesma casa e calçam os mesmos sapatos.
Dormem no mesmo travesseiro, ao lado da mesma mulher.
A cada manhã, o espelho lhes devolve a mesma cara.
Mas ele e ele não são a mesma pessoa:
— E eu, o que tenho a ver com isso? — diz ele, falando dele, enquanto sacode os ombros.
— Eu cumpro ordens — diz, ou diz:
— Sou pago para isso.
Ou diz:
— Se eu não fizer, outro faz.
Que é como dizer:
— Eu sou o outro.
Frente ao ódio da vítima, o verdugo sente estupor, e até uma certa sensação de injustiça: afinal, ele é um funcionário,um simples funcionário que cumpre seu horário e suas tarefas.
Terminada a jornada extenuante de trabalho, o torturador lava as mãos.
Ahmadou Gherab, que lutou pela independência da Argélia, me contou.
Ahmadou foi torturado por um oficial francês durante vários meses.
E a cada dia, às seis em ponto da tarde, o torturador secava o suor da fronte, desligava da tomada a máquina de dar choques e guardava os outros instrumentos de trabalho.
Então se sentava ao lado do torturado e falava de sua mulher insuportável e do filho recém-nascido, que não o deixara grudar o olho a noite inteira; falava contra Orã, esta cidade de merda, e contra o filho da puta do coronel que…
Ahmadou, ensangüentado, tremendo de dor, ardendo em febre, não dizia nada.
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A vida profissional/3
Os banqueiros da grande bancaria do mundo, que praticam o terrorismo do dinheiro, podem mais que os reis e os marechais e mais que o próprio Papa de Roma.
Eles jamais sujam as mãos.
Não matam ninguém: se limitam a aplaudir o espetáculo.
Seus funcionários, os tecnocratas internacionais, mandam em nossos países: eles não são presidentes, nem ministros, nem foram eleitos em nenhuma eleição, mas decidem o nível dos salários e do gasto público, os investimentos e desinvestimentos, os preços, os impostos, os lucros, os subsídios, a hora do nascer do sol e a freqüência das chuvas.
Não cuidam, em troca, dos cárceres, nem das câmaras de tormento, nem dos campos de concentração, nem dos centros de extermínio, embora nesses lugares ocorram as inevitáveis conseqüências de seus atos.
Os tecnocratas reivindicam o privilegio da irresponsabilidade:
— Somos neutros — dizem.
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O LIvro dos Abraços

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