A ÚLTIMA PRIMEIRA VEZ
A ÚLTIMA PRIMEIRA VEZ
Ele toca a campainha e, ao contrário de todas as vezes anteriores, ela não corre pra terminar de se arrumar.
Ela não coloca brinco na orelha, não retoca o batom, não troca a sandália de dedos pelo salto alto.
Ela atende a porta de chinelo velho e cabelo preso pra trás da orelha com piranha de plástico daquelas de duas por um Real.
Ele a olha nos olhos, diz que está com saudade e a abraça com tanta força que parece que vai quebrar aquele corpinho magrelo.
Ela fica na ponta dos pés para abraçá-lo e, nesse instante, se lembra que costumava fazer isso para alcançá-lo.
Foi tudo muito estranho pela primeira vez.
O tênis esquisito dele não combinava mais com ela.
Aquela camisa larga e aquela bermuda mais pareciam seu irmão de 17 anos.
Nada nele havia mudado, mas era tudo diferente pra ela.
A voz, o sorriso meio sem graça, o cabelo liso meio sei lá, as canelas finas, as mãos quadradas num tom rosado de tão brancas.
Tudo tão igual sempre foi e tão estranho pra ela.
A vida dela andou nesse um ano e pouco que eles ficaram sem se falar.
Ela mudou.
Piorou em algumas coisas, melhorou em outras, mas mudou.
Ela, que não gostava de rave e andava pra música eletrônica, agora compra ingresso com um mês de antecedência.
Ela trocou a cama por uma melhor, o sofá da sala por um branco lindo, mudou os móveis de lugar depois do Natal, trocou o carro por outro que anda muito mais.
Mudou o tom do cabelo, o estilo das roupas.
Fez vários novos amigos.
Para ele, parece que o tempo não passou.
Ele acha que pode chamá-la pelos apelidos que ele costumava inventar pra ela, acha que pode pegar nela onde bem entender e que pode arrumar o cabelo dela pra trás da orelha.
Não.
Eles ainda têm algum assunto, mas ela já não faz mais piadinhas pra implicar com a vida de solteiro dele.
Ela não é mais dissimulada quando ele pergunta se ela está com alguém.
Ela está solteira e não precisa mais fingir que está de rolo com alguém pra fazer ciúme nele.
Não faz mais sentido.
Nada mais faz sentido.
As brincadeiras, o abraço, o toque do corpo.
Acabou a emoção, acabou o brilho no sorriso, acabou o sorriso nos olhos.
Coisas do tempo.
Ele partiu sem nenhuma dor.
Ela fechou a porta e sua vida continuou de onde estava.
Pela primeira vez, ela fechava aquela porta sem sentar na escada e chorar por ele ter ido embora pra sempre.
Pela primeira vez, ele saiu sem que ela o observasse partir com o coração apertado.
Pela primeira vez, ele foi embora sem deixar uma gotinha de esperança de que ela pudesse tê-lo de volta na vida dela.
Pela primeira vez, ele partiu sem que eles tivessem trocado mais do que um abraço apertado.
Pela primeira vez, ele se foi sem que eles tivessem remexido o passado ou chorado porque alguma coisa não deu certo entre eles.
Pela primeira vez, ele foi embora de verdade.
Pela última vez, ele foi embora.
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