Vem calar a minha boca
Vem calar a minha boca
Confesso que a primeira vez que você ficou entre teatro ou aquele restaurante novo japonês, achei bonitinha sua indecisão, ponderando com o indicador no lábio mais superior que o outro.
E eu só me controlava pra não perguntar naquela esquininha escura por que não as duas coisas.
Ou uma hoje, a outra amanhã ou no máximo terça, que é o tempo que dá pra sobreviver na cidade sem sua melhor orelha de todos os tempos.
A coisa foi ficando chata na locadora de filme.
Sou capaz de suportar todos seus defeitos, até o pior deles que é não saber de vez se me quer ou não.
Mas nunca preferir um sobre motoristas tunados e endiabrados sabendo que há horas eu tava atrás do último do González Iñárritu.
Tudo bem, por que não levamos os dois? Eu pensei.
Porque não, pra nós não existe o tempo de dois filmes.
Você pensaria, se toda vez eu não sufocasse minhas vontades, todas elas contradizentes com nossas sextas depois das nove.
Mas não, não é como se fôssemos um par - concordantes em gênero de filme e grau de envolvimento - e não só mais um par de botas batidas desfilando juntos por aí sem realmente estar juntos por aí.
Começou errado, eu querendo alguém pra me ajudar a decidir entre cor-de-rosa e marfim e você procurando uma distração para sextas-feiras geladas, onde quem acabava a noite com dor na garganta era eu, sempre me despedindo em esquininhas escuras sem pódio de chegada, mas com o eterno retorno do seu bom e velho monólogo - "tenho um plano: vamos parar de planejar as coisas um pouco, por agora".
Fala favorita do seu personagem em seu papel principal nessa história escrita à lápis, porque amanhã você sabe, passo uma borracha em tudo.
Custa quanto sair um pouco dessa fase "tudo-pelo-social" com o emprego novo na revista? Não ando muito a fim de calçar sapato, ouvir da capa da Playboy, da taxa selic, da taxa de colesterol, das piadas escrotas de seus amigos escrotos sobre o braço gordo da nova estagiária do xerox.
Minha grande esperança é ver você cuspindo "não quero sair de turma, prefiro nós dois" e aí vestir aquele seu chapelão molenga e francês, na sua casa, me falando sobre cada apelido dos seus utensílios de cozinha, e me fazer rir, não porque tudo é engraçado, mas porque tudo fica engraçado quando você aprende novos truques na cozinha, no corredor ou no chão da sala.
Mas eu não posso reclamar.
É, não posso reclamar.
Mas eu queria reclamar, conversar, entender, decidir.
Ou então gritar, berrar, rugir, enlouquecer até você verbalizar uma improbabilidade tal como "garota, cala essa boca lotada de marimbondos e pequenas palavras mal escolhidas e vê se escuta isso: eu amo você demais".
Como fazem nas histórias da locadora que não temos paciência de assistir, porque no fim a gente fica sabendo que assim como amar, ser amado também é uma coisa que se aprende.
E hoje, isso de amor é muito blá.
Cansei de caçar seus verbos soltos, escudos de quem acha que tem o gênio indomável sabendo que não passa de um daqueles que enguiçam a raça humana.
Se quiser vir, que seja sem esse egoísmo tão "século-vinte-um" de trilhar caminhos pela metade, escapar pelos canteiros e me deixar falando pelos cantos.
Se for pra calar minha boca, vem.
Se for pra reescrever minha vida, vem.
Mas que seja à caneta.
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