- Esse governo - o que vem a
- Esse governo - o que vem a ser ele senão uma tradição, tentando se transmitir inteira á posteridade, mas que a cada instante vai perdendo porções de sua integridade? Ele não tem a força nem a vitalidade de um único homem vivo, pois um único homem pode fazê-lo dobrar-se à sua vontade.
Qualquer tipo de governo se transforma numa espécie de revolver de brinqueto para o próprio povo; e ele certamente vai quebrar se por alguma razão o povo o usar seriamente uns contra os outros, como uma arma verdadeira.
Mas nem por isso ele é menos necessário; pois todos precisam dispor de uma máquina complicada e barulhenta para preencher sua concepção de governo.
No entanto, quero me pronunciar como cidadão, distintamente daqueles que se chamam antigovernistas: O que desejo é um governo melhor e não o fim do governo.
Se cada homem expressar o tipo de governo capaz de ganhar se respeito, estaremos bem próximos de conseguir formá-lo.
Como formá-lo? "Tendo a convicção de que isto será o melhor.
Tendo consciência e pensamentos livres para escolher e formular o que achar que é o melhor, e sabendo que depois de formá-lo sua consciência estará em paz consigo mesmo.
A partir dai, reconhecê-lo, respeita-lo e se dedicar inteiramente para ajuda-lo a comandar".
Mas um governo no qual prevalece o mando da maioria em todas as questões não pode ser baseado na justiça, mesmo nos limites da avaliação dos homens.
Não será possível um governo em que a maioria decida virtualmente o que é certo ou errado? No qual a maioria decida apenas as questões às quais seja aplicável a norma da conveniência? Deve alguém decidir de sua consciência, mesmo por um único instante? Na minha opinião devemos ser em primeiro lugar homens, e só então súditos.
Não é desejável cultivar o respeito às leis do mesmo nível do respeito aos direitos.
A única obrigação que tenho direito de assumir é fazer a qualquer momento aquilo que julgo certo.
Costuma-se dizer, e com toda razão, que uma corporação de homens conscienciosos é uma corporação com consciência.
Ha muitos homens, que serve algum governo só com a cabeça, pois raramente se dispõem a fazer distinções morais.
Há um número bastante reduzido que serve algum governo também com sua consciência; são os homens que acabam com isto, mais resistindo do que servindo; e os tratam geralmente como inimigos.
Um homem sábio só será de fato útil como homem e não se sujeitará à condição de "barro" a ser moldado para tapar um buraco e cortar o vento; ele preferirá deixar esse papel, na pior das hipóteses para suas cinzas.
Toda votação é um tipo de jogo, tal como damas ou gamão, com uma leve coloração moral, onde se brinca com o certo e errado sobre questões morais; e é claro que há apostas neste jogo.
O caráter dos eleitores não entra nas avaliações.
Proclamo meu voto de acordo com meu critério moral; mas não tenho um interesse vital de que o certo saia vitorioso.
Estou disposto a deixar essa decisão para a maioria.
O compromisso de votar, dessa forma, nunca vai mais longe do que as conveniências.
Nem mesmo o ato de votar pelo que é certo implica em fazer algo pelo que é certo.
"Um homem sábio não deixará o que é certo nas mãos incertas do acaso e nem esperará que sua vitória se dê através da força da maioria".
"Ha escassa virtude nas ações de massa dos homens".
Existem leis injustas; devemos submeter-nos a elas e cumpri-las, ou devemos tentar emendá-las e obedecer a elas até sua reforma, ou devemos transgredi-las imediatamente? Numa sociedade com o governo como o nosso, os homens em geral pensam que devem esperar até que tenham convencido a maioria a alterar estas leis.
A opinião de muitas pessoas, é de que a hipótese da resistência pode vir a ser combatido.
Mas é precisamente o governo o culpado pela circunstância de o remédio ser de fato pior do que o mal.
É o governo de homens que não sabem governar que faz tudo ficar pior.
Porque o governo não é mais capaz e se antecipa para lutar pelas reformas? Porque ele não sabe valorizar sua sábia minoria? Porque ele chora e resiste antes de ser atacado? Por que ele não estimula a participação ativa dos cidadãos para que eles lhe mostrem suas falhas e para conseguir um desempenho melhor do eles lhe exigem? Poque eles lhe exigem? Porque eles sempre crucificam Jesus Cristo?
Ensaio extraído do livro desobedecendo de "Henry David Thoreau".
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