Eu até gostaria que fosse menos
Eu até gostaria que fosse menos, mas o fato é que já faz seis anos.
Na época, eu cursava jornalismo na UCPel, e tinha um mundo inteiro para descobrir (sempre se tem, não é mesmo?).
Minha vontade era clara: queria trabalhar com jornalismo escrito e fugia do assunto quando me diziam que eu tinha que ir para a televisão, como âncora de algum telejornal.
Sempre gostei das palavras e de como elas informam com liberdade.
Acho que ler para saber é sempre mais livre e rico do que ouvir ou do que ver.
E talvez essa ideia venha desde o tempo da escola, quando a professora chegava, escrevia um fatídico primeiro parágrafo no quadro e terminava com insuportáveis reticências.
E a turma ainda tinha que ouvir: - “Sejam o mais criativos possível! ”.
Eu sentia uma frustração terrível quando percebia que a minha criação só começava depois dos três pontinhos.
Hoje escolho as palavras com a cerimônia de quem escolhe feijões na mesa da cozinha.
Liberdade caça jeito, já dizia o poeta.
Mas agora é totalmente diferente.
Não estou na faculdade, muito menos na escola, estou pedindo licença para retornar, para retomar o que eu deixei quando parti de Pelotas.
Enquanto cursava a faculdade, mandava textos para este jornal e, para a minha surpresa, depois de um tempo insistindo, eles foram publicados.
E era uma felicidade imensa poder "me ler" no jornal da cidade.
Era uma sensação de ganhar outros que compartilhassem ideias, um anonimato da imagem.
Ser esmiuçada em palavras sempre me envaideceu mais do que comprar um vestido de festa.
Na adolescência, tive a oportunidade de deixar o Sul para desbravar outras fronteiras.
E como nessa época, geralmente, a gente acredita que precisa sair do lugar para ir mais longe, eu aceitei.
Fui me despedindo aos poucos de cada pessoa que era importante para mim.
Quando partimos, nunca sabemos quando (e se) um dia voltaremos.
Faz parte da poesia de ir embora, fantasiar um voo sem trégua.
E nunca esqueço quando o jornalista Clayr Rochefort, então diretor de redação deste periódico, me desejando tudo de melhor, mas quase como quem exige uma promessa, recomendou: “Só não deixe de escrever! ”
Noite dessas, no meio de um aniversário, recebo a ligação da minha mãe.
Achei um canto onde eu pudesse ouvi-la e ela disse que seria breve.
Queria apenas me contar que, reformando a casa, teve que desmontar um armário e, numa caixinha, encontrou meus primeiros brinquedos de infância, a roupinha que eu usei com apenas 24 horas de vida, ao sair do hospital, o primeiro lençol da minha cama de “adulto”.
Quando minha voz falhou, coloquei a culpa na telefonia.
Não seria fácil justificar algumas lágrimas de saudade numa noite de festa.
Mais difícil ainda seria conseguir estancá-las.
Saudade das origens é um tipo que não tem cura.
Mesmo que algum tempo tenha passado, eu continuei a escrever e hoje, com grande alegria, anuncio a minha frequência a ser debulhada nessas páginas tão familiares.
É que mesmo que a gente voe pelo mundo, encontre outras línguas, outras culturas, outros cheiros e amores, sempre fica num armário guardado, na cidade que nos embalou a meninice, bastante do que fomos.
E, principalmente, aqueles que continuam nos vendo com os mesmos olhos de antes.
Raízes, rio que sempre corre, mesmo quando a chuva estia, obrigada por terem me deixado ir e, sobretudo, por terem me lembrado de voltar.
Publicado pelo Diário Popular de Pelotas.
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