Invisível aos olhos
Invisível aos olhos
Vinte anos de casamento.
E, parece que eles haviam chegado ao tão famoso ponto em que o matrimônio significa pouco, diante da rotina.
Dia após dia, vendo os mesmos rostos, tendo as mesmas conversas e não conversando sobre os mesmos tabus.
Na verdade, o cardápio variava.
Mas era só isso.
De um lado, uma mulher que dedicara toda sua juventude a preocupar-se com a satisfação (em todos os aspectos) de um homem, o qual julgava seu eterno amor.
De outro, um homem que dedicara toda sua juventude ao trabalho; para não deixar que faltasse o que quer que fosse para a mulher, a qual julgava seu eterno amor.
Pois bem, o “tão famoso ponto em que o matrimônio significa pouco, diante da rotina” estava ali, presente exatamente no espaço que os separava cada vez mais: o tempo.
Dizem que com o tempo as pessoas amadurecem e aprendem a ver a vida por outro ângulo.
Mas, será mesmo assim, ao pé da letra? A verdade é que não é assim, sempre.
Com o passar do tempo também podemos infantilizar-nos: podemos começar a achar que qualquer coisa é motivo para briga, que determinados tipos de roupa vão nos deixar parecendo ‘velhos’.
Mas, e se nós formos velhos? Com o amadurecimento deixamos a preocupação com a “embalagem” para os jovens.
E passamos a nos preocupar com a “aparência”.
E não é tudo a mesma coisa?
Com o passar do tempo (o tal espaço) ela foi percebendo que, caso se esforçasse muito, ainda assim não conseguiria lembrar quando ele lhe havia demonstrado afeto após o segundo ano de casamento.
“São dezoito anos sem carinho” pensou.
Enquanto trabalhava ele pensava em quão ingrata era ela, por não reconhecer todos esses anos de esforços que lhes foram dedicados.
“Tantos anos e nenhum agradecimento, afinal” pensou ele.
Mas do que nenhum dos dois se dava conta é de que havia carinho e havia agradecimento em toda a parte.
Em cada cômodo do apartamento: na cozinha o almoço feito com muito carinho para agradecer o esforço dele, fazendo com que repusesse as energias para em seguida fazer mais um esforço; no quarto um mural de fotos e ingressos de shows aos quais foram juntos, para mostrá-la que lembrava aqueles momentos com carinho; na sala, uma bíblia aberta em Cantares 8:7 “As muitas águas não poderiam apagar este amor, nem os rios afogá-lo; ainda que alguém desse toda a fazenda de sua casa por este amor, certamente a desprezariam” e uma foto do casamento.
Agradecimento e carinho.
Como num despertar, após um dia de trabalho ele chega em casa e vê que na mesa de centro havia um pote de doce de leite (seu preferido).
E, em seguida, prepara o jantar.
Ao vê-lo cozinhando, meio desajeitado, ela percebe que aquela era a forma que ele tinha de dar afeto.
O mesmo ele pensou ao ver o doce: aquela era a forma que ela havia encontrado para lhe agradecer.
A maturidade havia, enfim, chegado.
Diria então Saint- Exupéry: “Só se vê bem com o coração.
O essencial é invisível aos olhos.”
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