INSATISFAÇÃO

INSATISFAÇÃO
Acontece a qualquer momento.
Enquanto passo o pó de café, finalizo um relatório importante, ou durante a faxina de todo o santo dia.
Entre uma música e outra no rádio, o silêncio abafa e escuto: fuja.
Levanto as sobrancelhas e olho pros lados.
Ufa.
Ninguém ouviu.
Esse desejo secreto, quase bandido, que faz da minha própria vida uma refém de mim mesmo.
O cotidiano é uma arma pressionada contra a minha cabeça.
Despertando às 7h, horários marcados.
Passa hora, passa dia, passa noite, continuo preso, sem ter aonde ir.
Ando em círculos numa cela do tamanho do mundo.
Tantas vias, mas tão complexas.
E esse meu destino, distante, que nem sei se existe.
Por um instante eu fico feliz.
Conquistei o que eu queria, beijei, escrevi, li, trabalhei, corri, comi, caguei.
Mas e depois? A felicidade se esvai a cada meta alcançada.
Depois só me resta sonhar e esperar de novo pela alegria da realização.
No momento seguinte, acabou.
A felicidade não dura, sequer, um momento.
Minha vontade de ir embora é a plenitude da satisfação, pois a rotina calculada me embrulha o estômago.
“Bom dia, amor”.
“Deixei a chave embaixo do tapete”.
Mensagem por mensagem, deixo a mim mesmo embaixo do tapete.
Deixo o eu que quer viajar.
O eu sem hora pra voltar.
O eu que não depende de nada nem ninguém para fazer o que quiser.
É difícil ser fiel a uma rotina quando bem no fundo de mim sei que não pertenço a lugar nenhum.
Minhas roupas são escorregadias.
A cadeira em que almoço, desconfortável.
Até o sagrado quarto aonde descanso todas as noites é alugado.
Nada é meu.
Só o meu corpo me pertence, e ainda assim eu o maltrato.
Às vezes deixo de comer, aperto a cinta, raspo meus pelos como se não reconhecesse minha pele.
Vejo no espelho: ainda que eu fuja desta casa, continuaria preso num corpo limitado para as minhas expectativas.
Dia após dia, essa é a vida.
Medrosa que é, ela se esconde atrás de máscaras, abaixo de camadas de ossos, carne, pele e roupas.
Dia após dia, se camufla da morte por debaixo das músicas do rádio, barulho d’água monótona na pia e das vozes que abafam o silêncio.
A vida é a insatisfação que grita no silêncio.
Mas não a ouço direito pelo meu próprio medo de viver.
E assim eu me acostumei a morrer dia após dia.

#cronicas#cotidiano#geanzanelato 185

Mensagens Relacionadas

Tudo está ao contrário e ninguém reparou

Tudo está ao contrário e ninguém reparou
"Falamos de vida no espaço,
De viagem interestelar.
Mas não conseguimos gostar
De quem está aqui do nosso lado.
Se fala por aí qu…

(…Continue Lendo…)

#cronicas#gravidez#poema#cotidiano#joseeduardosoaresdealmeida

Cotidiano, ou a cota dos anos

Cotidiano, ou a cota dos anos
Havia uma menina, que de saia, e sem roupa intima, subia nas árvores do meu quintal, só para me provocar
Havia uma jovem que descia na noite, ao meu lado sonâ…

(…Continue Lendo…)

#odairflores#cronicas#cotidiano

AS COISAS

AS COISAS
No cotidiano da vida, quase todas as coisas são insignificantes. A maioria dos nossos pensamentos, boa parte das ações que fazemos, alguns sentimentos que experimentamos, quase todos o…

(…Continue Lendo…)

#gravidez#poema#cronicas#cotidiano#fabiooliveirafabioxoliveira2007

Houve um tempo em que as palavras surgiam com mais simplicidade

Houve um tempo em que as palavras surgiam com mais simplicidade, emoção, e coração.
Houve um tempo em que a pureza das ideias nos levavam a ver de forma simples tudo ao nosso redor.
Houve …

(…Continue Lendo…)

#weslleymarcelomassakonegre#cronicas#cotidiano

►Navio Do Asfalto

►Navio Do Asfalto
Sombras indo e vindo
Calçados refletidos pelos vidros
Sorrisos e brincos, moletons contra o frio
Os quebra-molas que sempre são percebidos
Os raios do s…

(…Continue Lendo…)

#cotidiano#ateoppensador#gravidez#poema#cronicas

A poesia está ali

A poesia está ali, nos detalhes do cotidiano.
O belo está ao redor, bem à vista dos que caminham atentos e percebem que a vida é o acontece no agora, e não no que virá.
Tudo é lindo para o…

(…Continue Lendo…)

#cronicas#cotidiano#jerclay