VÁ PELA SOMBRA
VÁ PELA SOMBRA
Quando estava resolvendo coisas do meu dia a dia, a correria de forma ou de outra apareceu.
Uma senhora bem idosa me pediu uma informação e iniciamos uma conversa.
Aquilo de certa forma me confortou.
Acredito que em momentos ruins, alguém desconhecido sempre surge para dar algum recado de conforto, tipo como nos filmes.
Conversando sobre a vida ela se aproximou porque não a conseguia escutar, ela queria saber se no outro lado da rua, haveria sombra.
Questionei-a por não estar de guarda-sol em temperatura tão alta, mas para quem passou a vida toda trabalhando em terra, aquilo era nada.
Em minutos de conversa ela resumiu sua vida, contou sobre seu neto, juventude, tempos atuais etc.
Raramente temos esse momento de pegar alguém na rua e conversar.
Estamos tão preocupados com nossas vidas que a do outro é ausência, principalmente um idoso.
Um olhar diz muito, principalmente um, “senta aqui, preciso conversar, preciso que me olhe, me note”.
Já era uma mulher idosa, fazia doces “eu sou a mulher do doce” e, por mais que eu não conseguisse lembrar de seu rosto, por algum motivo já devera me vir em algum momento; em algum momento eu até comprara um doce, mas não me lembro.
Na conversa pude reparar em suas rugas, na sua cor, nas roupas, na sua coluna rígida e frágil uma experiência viva de uma pessoa que simplesmente viveu anos e momentos incríveis de alegria e de tristeza sem ter por direito, momento algum de contestação da vida.
Essas questões existenciais que rondam pesquisas acadêmicas sobre a existência e o sentido da felicidade.
Não soube de seu marido, muito menos se ele estava ainda em vida, talvez na agitação do papo, deva ter perdido esse momento.
O que me chamou atenção foram as rugas e a paciência de conversar ao léu sobre a vida para alguém.
Isso conta uma história de vida e, não descartando outras.
Gosto de contar essas histórias, viver e passar por isso, porque sinceramente, às vezes me dá vergonha olhar para minha vida e ter a disposição tudo o que aquela senhora não teve durante toda a vida e, mesmo assim reclamar.
Me lembro que ela dizia sobre “mas ele só fica naquele celular, eu quero o melhor para ele” gesticulava os hábitos do neto e depois sorria, mas era um sorriso de não entender esse comportamento já que o dela era cuidar de terra.
A vida é tão curta, curta o suficiente para nos deixar desesperados e fazer as coisas contra o tempo.
Essa senhora não precisou de muito para entender sobre a vida, ela simplesmente viveu e conseguiu experiência, ela muito menos teve tempo para questionar o que poderia ganhar ou que havia perdido, se é que perdeu alguma coisa durante os anos jovens em que viveu.
Pode ter certeza que se um dia sentir um desejo especial por doce, não excitarei em encontrá-la.
Especificamente o doce caseiro daquela senhora.
Depois nos despedimos.
Me lembro de dizer “vá pela sombra.”
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