IX de OS DOENTES

IX de OS DOENTES
O inventário do que eu já tinha sido
Espantava.
Restavam só de Augusto
A forma de um mamífero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!
O gênio procriador da espécie eterna
Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Uma sobrevivência de Sidarta,
Dentro da filogênese moderna;
E arrancara milhares de existências
Do ovário ignóbil de uma fauna imunda,
Ia arrastando agora a alma infecunda
Na mais triste de todas as falências.
No céu calamitoso de vingança
Desagregava, déspota e sem normas,
O adesionismo biôntico das formas
Multiplicadas pela lei da herança!
A ruína vinha horrenda e deletéria
Do subsolo infeliz, vinha de dentro
Da matéria em fusão que ainda há no centro,
Para alcançar depois a periféria!
Contra a Arte, oh! Morte, em vão teu ódio exerces!
Mas, a meu ver, os sáxeos prédios tortos
Tinham aspectos de edifícios mortos
Decompondo-se desde os alicerces!
A doença era geral, tudo a extenuar-se
Estava.
O Espaço abstrato que não morre
Cansara… O ar que, em colônias fluidas, corre,
Parecia também desagregar-se!
Os pródromos de um tétano medonho
Repuxavam-me o rosto… Hirto de espanto,
Eu sentia nascer-me n’alma, entanto,
O começo magnífico de um sonho!
Entre as formas decrépitas do povo,
Já batiam por cima dos estragos
A sensação e os movimentos vagos
Da célula inicial de um Cosmos novo!
O letargo larvário da cidade
Crescia.
Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva noturna,
O vagido de uma outra Humanidade!
E eu, com os pés atolados no Nirvana,
Acompanhava, com um prazer secreto,
A gestação daquele grande feto,
Que vinha substituir a Espécie Humana!

#augusto#poemas#augustodosanjos#anjos 145

Mensagens Relacionadas

Debaixo do tamarindo

Debaixo do tamarindo
No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!
Hoje, e…

(…Continue Lendo…)

#augusto#anjos#augustodosanjos#poemas

O Bandolim

O Bandolim
Cantas, soluças, bandolim do Fado
E de Saudade o peito meu transbordas;
Choras, e eu julgo que nas tuas cordas,
Choram todas as cordas do Passado!
Guardas a a…

(…Continue Lendo…)

#saudade#augusto#poemas#augustodosanjos#anjos
Numerar sepulturas e carneiros

Numerar sepulturas e carneiros

Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

#anjos#poemas#augusto#augustodosanjos

Saudade

Saudade
Hoje que a mágoa me apunhala o seio,
E o coração me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descrença em meio,
Porque eu hoje só vivo da descrença.
À noite quando em…

(…Continue Lendo…)

#augusto#poemas#augustodosanjos#anjos

Vencido

Vencido
No auge de atordoadora e ávida sanha
Leu tudo, desde o mais prístino mito,
Por exemplo: o do boi Ápis do Egito
Ao velho Niebelungen da Alemanha.
Acometido de uma …

(…Continue Lendo…)

#anjos#augustodosanjos#augusto#poemas

Solilóquio de um visionário

Solilóquio de um visionário
Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!
A digestão dess…

(…Continue Lendo…)

#augusto#augustodosanjos#poemas#anjos